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Aprendi a colocar num frame a essência do meu ser. A escrita é "só" um suplemento para viver. Fotógrafo, prosador, empreendedor.
És o sol que me queima numa pele já cansada.
Gostava que me sorrisses Com a mesma intensidade Com que amas cada recanto Da nossa cidade
Combinámos um café Pediste desculpa pelo atraso Foste ver o pôr-do-sol Rasgando assim o nosso contrato
Um oceano de distância
Não te demores... Que o vinho já está a aquecer...
Há livros, que invariavelmente ouvimos a voz do autor a contar as suas histórias. Aconteceu com "Becoming" de Michelle Obama, depois com "O programa segue dentro de momentos" do incomparável Júlio Isidro, e numa outra fase "Amália - Num tempo de revolução". Ouvira já falar de Madalena Sá Fernandes e da sua bem humorada escrita nas crónicas do Público. Há livros que nos conquistam pela capa, outros pelo conteúdo, outros, por ambos. Foi - e está a ser - esta "Deriva". Tenho alturas em que deixo o livro esquecido ganhar pó. Depois, leio de uma assentada até os olhos fecharem por vontade própria, como que a dizer "há vida amanhã. Tens tempo daqui a dois dias". Há livros que nos fazem rir, sozinhos numa esplanada ou no muro da praia. E nesses mesmos livros, nos fazem cair lágrimas e suspirar pelos avós que já não temos. A Madalena é mãe, é filha única e teve uma enorme ligação com a avó de Tondela. Refere os cheiros da sua infância. Os meus cheiram a aletria, a tardes quentes na sala de costura de casa da avó de São João da Madeira e olhar meninos e meninas saltarem da primeira prancha da piscina paredes meias com o Estádio. O Conde Dias Garcia onde começou o Cândido Costa. Há livros que nos remetem ao silêncio, às gargalhadas e às memórias. Estou a gostar muito desta capa, e deste conteúdo.
É estranho, Perguntar-te como vamos Ao que respondes - Vamos andando
Um cais abandonado,
Um pé, por mera distração,
Ensopado
A televisão ligada, o som quase em surdina, um cão há oito meses resgatado, dorme num sofá cama, sossegado. Um zapping clássico para ganhar sono, um filme - não sei bem já em que canal - "Ele e ela", ela sozinha a escrever num blogue, ele, no outro lado da cidade deitado num sofá comprido a olhar os papéis. A mãe dela liga-lhe preocupada, com a profundeza do pensamento partilhado. Sai de casa e vai às compras, dizendo: - Ele saiu, foi buscar uma pizza. Eu também, mas ela não sabe, e pouca gente o sabia. A minha mãe, o meu mural de facebook e a minha nutricionista. Escrevo-lhe, embora ela não saiba que me é fonte de inspiração para erros gastronómicos. É bonita, tem um cabelo loiro (como eu já tive, quando era criança), maior é certo, olhos azuis, eu fiquei pelos castanhos, segundo uma canção, de encantos tamanhos. Uns olhos que me deixam ver o mundo através da lente, mais ou menos correctamente. Olho o calendário, amanhã acordo cedo, tenho um trabalho diferente. Sou tudo, embora não o seja como queira, sou fotógrafo, sim! Podia ser cem vezes melhor, mas isso levar-me-ia a fazer outra coisa qualquer. Escritor? Sim, talvez seja, pelos livros que já li e tendo a comprar, ou porque me inspira pelo título, ou pela capa, ou pelo autor. Vou agora divagando entre biografias, sabendo - mesmo sem que isso seja relevante para a minha felicidade - de louros e podres dos que vou vendo na televisão. Hoje, ou antes, ontem, morreu uma cantora brasileira. Não sabia, mas tinha um filho pequeno, dois anos. A vida é uma porcaria, escrevi um e-mail à Associação da Sara Carreira. Eles, têm agora "sementes do futuro", prometem e cumprirão o sonho de tantos que como eu olham para a música, para as canções, para o talento como algo positivo. "... Nunca serás ninguém, não és A, B, C. És apenas mais uma pessoa entre tantas que teve um "talento" para escrever. Gostava que o mundo se visse como eu o vejo. Não sei qual o alcance de mais um blogue na net, mas fica a promessa de que tudo o que for aqui escrito / dito virá de um singelo coração que bate, e baterá até terminar a sua função. José Régio escrevera - lá atrás no tempo - "se vim ao mundo, foi só para desflorar florestas...". Tentarei ao máximo fotografá-las, respirá-las, vivenciá-las. Assim, quando for, fica a certeza de ter vivido feliz, por muito que isso se reflita em pizzas ao final de uma noite, um filme lamechas, um computador já velhinho e um jovem a caminho de uma bonita idade a escrever numa cave.
Acordei com necessidade de escrever. Faz hoje, um ano. Sabem aquela sensação de não querer atender uma chamada porque do outro lado vem uma má notícia!? Já vos aconteceu pensar no pior antes dele acontecer!? Estava sentado no sofá preto na cave da casa dos meus pais. Atendi, perguntei se havia novidades. De facto, haviam e não eram as melhores. Horas antes, vinte e quatro horas - talvez - falaríamos uma última vez. Pânico de hospitais, ausência de certezas, mais de uma dezena de dúvidas. O tanto que ficou por ensinar, eu, de aprender. Faz hoje um ano que a árvore plantada em nome da amizade quebrou um galho, daqueles que acreditamos como inquebráveis - ou duráveis no tempo.
Dali a umas horas, a despedida de um homem bom numa tarde que se vestiu de cinza numa rua íngreme na direção do rio que era a sua casa. Mas que é também a de muitos o que o admiravam. Nunca vi no Lúcio a ruindade de um chefe, a prepotência de um eu “superior” só por ter no apelido ou no rol de conhecidos fulano a ou b. Ao cair do pano, e com a estátua escrevi “o apontar da saudade”, depois de não ter conseguido armazenar águas em forma de lágrimas no rosto à mesa do jantar, depois ao telefone com um inegável amigo comum, e depois com amigos no café.
Já lá vão trezentos e sessenta e cinco dias, e tanto (ou se calhar nem tanto) mudou. Foi quem mais me ensinou sobre o que sei sobre estar e sobretudo ser à moda do norte. A lealdade (embora nem sempre praticada por outros), a sinceridade (idem), a civilidade (só ao alcance dos seres com coluna vertebral). Ouvi palavras de carinho que me confortaram, senti os abraços e apertos de mão com olhares de frente.
Do tempo que nos separa, sobram perguntas, oportunidades para cafés ao fim do dia ou de manhã, de livros que ficaram por comentar. Lembro-me da imagem aquando de um almoço de reconhecimento ao humanismo do Lúcio. A cada passo entre amigos, o sorriso terno e o saber ouvir, qualidade cada vez menos presente na profissão em particular. Houve quem lhe agradecesse pessoalmente, outros que derramaram lágrimas só porque sim. Eu, pessoalmente, encontrei a paz no idealizar do reencontro com o Bosko e a infinita saudade do irmão.
Sim. Também eu sinto a falta do irmão velho que não tive. Era a única pessoa que eu carinhosamente deixava que me tratasse por Chicão. O Lúcio tinha mais do que estudos para o merecer. Como sempre dizias ao telefone:
Um xi para ti!
A um mês e um dia de fechar o ano, aproveito para fazer um balanço - antes de me fechar - para efectuar o famoso "inventário". O meu faz-se de algumas coisas, não tantas como gostaria. Até podia puxar dos galões e contar mil e duas histórias de sucesso, de ausência de pedras no caminho, de fins de tarde perfeitos sem vento, de serenidade em cada conversa, mas nunca fui de filtros. E cada vez mais me esgota a paciência para fazer de tipo simpático. Achei que as perdas que tive o ano passado e as palavras reconfortantes que fui recebendo ao longo do caminho me pudessem de certa forma alimentar o âmago. Quando estou menos positivo, só preciso de uma hora talvez nem tanto com a música nos ouvidos e o som do obturador, de beber um café sossegado e escrever qualquer coisa nas notas ou no moleskin. Mas a verdade é que cada ausência de oportunidade e o constante recordar da data de nascimento (ano de 1982) que já não caminhamos para novos ganha a cada passo um novo peso. Sei que vai haver uma altura em que vou olhar o espelho e descubro uma ruga, duas, seis. Que vou encontrar no outrora cabelo loiro umas brancas. Mas que possa olhar para trás e saiba ter dado o valor a cada conquista, a cada erro, aos sorrisos e lágrimas. Gostava sinceramente que o balanço e posterior inventário em 2024 seja mais bem recheado.
À memória vem-me uma frase "... sei que não dá para mudar o começo. Mas se a gente quiser, vai dar para mudar o final...".
Fotografia: Parque do Buçaquinho
Pedro Fonseca / Focal Point Studio
Ouvimos de mãos dadas
A canção em que o Pedro dizia
"se me dás a vida inteira"
"porque só vivi metade?"
Falavas do alto da tua verdade
Que não haveria outro amor igual ao meu
Mas refugiavas-te nas madrugadas
Em busca de um novo Romeu
Ouvi-te dizer poesia
De manhã, ao cair do sol
À mesa, de madrugada
Hoje dizes ao mundo que não...
Que para ti não sou nada
Ouvimos sem nada dizer
Escutávamos até ao fim
Para ti era só uma palavra
Para mim era só um sim
Escrevias durante a noite,
De luz apagada
Dizias que a inspiração chegava,
Sem contares - de madrugada
Longas foram as noites
Em que esperei por ti
Na sombra de uma rua
Onde só eu, vivi
Agora que o tempo passa
Vais-me dizendo para ficar
Desculpa, hoje não posso
Fiquei de ir cantar ao luar
Encostei o ouvido à lua
Tu apagaste a luz para escrever
Vai amanhã ter comigo à rua
Que um dia me viu... nascer
Escrever-te-ia dias,
Páginas a fio
Mas apaixono-me pelas folhas do Outono
Tenho que salvar as árvores do parque da minha cidade
Contarei aos pássaros as palavras que te escrevi,
Num café, ao computador
A chuva,
De noite traz o maior dos romances
Somos, por vezes sós
A deambular no asfalto
Até os passeios...
Ganham uma nova vida
Calçada bem cuidada,
Fado,
Um pedaço de leitão
Uma cerveja, um café
Fecho os olhos e sorrio.
Agradeço! Nasci, sim, português!
Perco-me nos olhares
Que por aqui vejo passar
Ouço sons de ondas e aves
Vislumbrando nuvens no ar
Roubo minutos contados
Ao tempo que teima em avançar
Vou colecionando momentos
Para mais tarde recordar
O canto das gaivotas
Que devagar vão sobrevoando
Praias outrora desertas
Mas que não perdem (no inverno)
O encanto
Palavras que teimo em repetir
Sons que não me canso de ouvir
Momentos prazerosos para viver
E uma estrada deserta para percorrer
Dos sons da cidade prefiro
Nem sequer ouvir
Em frente a um enorme oceano
Com tesouros por descobrir
São tantas as memórias
Guardadas num só lugar
Nem todas são positivas
Então para quê guardar?
Embrulho num pedaço de papel
Atiro com pujança para o ar
Ao longe uma gaivota vê
Bate forte as asas para agarrar
Nele escrevo o teu nome
Que prefiro ao mar entregar
Talvez nele encontres
Um outro alguém para amar
Deixa então que parta
Sem uma lágrima derramar
Tenho a certeza que para lá do oceano
Encontrarei o meu lugar
15 de Agosto de 1988 - estava cinzento. Uma ida à Igreja Matriz à missa das onze, saudoso Padre Manuel, o pessoal estava numa de ir à praia, eu, ao café para ver o meu avô e eventualmente comer um croissant com recheio de maçã ou chila da Gininha. Uma ida aos cromos foi o suficiente para deitar por terra os sonhos de uma carreira no futebol: tíbia e perónio. Os detalhes do acidente vou-me abster de vos contar, mas passei um verão diferente, com gesso, um ferro e quatro parafusos. Cresci entretanto, quando olho para trás não tenho grandes memórias de como me conseguia virar na cama com gesso até ao fémur.
18h30 - escolho uma mesa afastada da esplanada. Um sol bonito aquece o centro. O café chega quente, deixo o valor certo à jovem moça que me recebe à moda antiga, com educação, simpatia e sem pressa. Os emigrantes já estão de volta e continuam a falar francês para parecerem finos, mas ao jantar, à mesa com o jogo na tv dizem em bom pronúncio nortenho - impropérios que fariam sorrir o Bocage. Preciso de uns auscultadores com cancelamento de ruído para não ser incomodado pelas playlists repletas de lixo da mesa do canto. Daqui a pouco chamo a PSP, a ASAE e o Correio da Manhã. Só de pensar na azeitice que abunda nas rádios e colunas portáteis de jovens com cara de quem sobrevive nos principais subúrbios da cidade. O café devia durar mais e ser mais bem frequentado. Recordo o que dizia o Prof. Machado Vaz "o ruído que menos me incomoda é a música". A mim é mais a "não música..." que encontra na nova geração o seu ganha-pão. Um dia destes trago a minha playlist de Mozart, Green Day, Nirvana, passo depois por Neil Young, Leonard Cohen e Procol Harum.
Vem-me à memória quem partilhou comigo muita da sua sabedoria musical, o António - que já terminou a sua passagem na terra. Corre uma aragem, respiro fundo, olho o barco na fonte junto à câmara, uma bandeira da cidade dança ao ritmo do vento. Tem tons azuis e uma inscrição "Vamos andando". É assim que hoje me sinto, mas bem melhor que há trinta e quatro anos atrás.
Se voltar atrás no tempo, não sei o que me arrepia mais, se o dia em que me despedi (inconscientemente) do meu amigo e avô naquela sala da televisão em São João da Madeira no meu vigésimo quinto aniversário, se da forma como a vivi com ele e o meu pai. Decorria o ano de 2003, finais de maio. Na altura, a estrada para a casa dos meus avós não era tão rápida e cómoda como hoje, mas lembro-me que já jovem adulto seguia no banco de trás, janela aberta e um cachecol do Futebol Clube do Porto. Não me lembro a que horas chegámos, mas sei que foi dos dias de maior calor, vestia calções e sentei-me no sofá grande. A RTP estava em festa, a cidade do Porto num misto de festa e ansiedade, o país – algumas pessoas em Lisboa vestiam as cores da invicta e outros, bem, outros rezavam para que o Celtic levasse a taça.
O jogo, aqui tão perto, em Sevilha parecia estar muito longe dos nossos melhores sonhos, antes de a bola começar a rolar. Nunca pensei poder assistir a uma final tão importante com dois pilares e amigos, o meu avô materno e o meu pai. Mas o Futebol Clube do Porto deu-me essa e, bem, outras grandes alegrias pela vida fora. Sentámo-nos na sala, as persianas fechadas com as janelas abertas, mas a avenida estava deserta, não se ouvia um carro, volta e meia passava alguém e buzinava duas vezes, sabendo que ali vivia um dragão. Um não, vários!
No banco, o eterno aprendiz de Robson, um outro grande da nossa praça, chegou ao Porto depois de um pé e meio na capital do império. Quando o árbitro apitou sabia que não teria muitas possibilidades de vibrar com uma final na companhia do meu avô, uns anos antes (dois, para ser mais preciso) pregou-nos um susto no dia de uma final da taça. No hospital, com um diagnóstico difícil a nível pulmonar dizia ao médico na Urgência do Hospital de Santos Silva:
- Senhor Doutor, não posso voltar amanhã? É que o Porto joga daqui a pouco.
Se não estou enganado, uma final da Taça frente ao Braga, vencemos! Dali a umas horas, estaria numa enfermaria, cama 12. Sorri-lhe ao entrar, um dia mais tarde dizendo:
- Avô, não te quiseram a titular! Mas ainda jogas este ano!
O tempo foi passando, e ele ainda me entregou uma guitarra nova, no meu dia de aniversário naquela enfermaria, no dia 30 de Setembro. A partir dessa data quis aproveitar ao máximo, e Sevilha foi só um de tantos momentos a dois, três, quatro, cinco. Não posso nunca esquecer a mãe, a avó, a tia Helena. Em Sevilha, o tempo quente e o ambiente vibrante passava para cá do ecrã, de São João da Madeira a Espinho, de Vila Nova de Gaia a Freixo de Espada a Cinta. Havia poucas oportunidades, nunca pensei que no ano seguinte garantiríamos mais uma Taça, a de Campeões Europeus. Um passe magistral do mágico Deco, um remate à FIFA de Alenitchev sem deixar a bola cair e Derley confirma o que Douglas evitou em alguns milésimos, festejando o primeiro tento. Sorríamos, vibrávamos, o mais difícil estava feito, o golo inaugural! Passámos os quinze minutos do intervalo a pensar nos melhores momentos do desafio, no calor que podia afetar os atletas, no segundo tempo. Por momentos, olhei para o meu pai, sentado no cadeirão ao lado do meu avô e sorri, porque os tinha ao meu lado para viver um momento histórico. Não me lembro da Final de Viena em 1987, mas o golo do Madjer continua a ser para mim um dos mais bonitos da história, tanto assim é que as palavras cantadas pelo Miguel Araújo ainda arrepiam. Para puxar pela memória do meu avô perguntava-lhe sobre jogadores, do António Sousa (também ele Campeão Europeu 87) que sempre o tratou por Sr. Milheiro na Tabacaria Glória na Praça Luís Ribeiro em São João da Madeira.
Larson, o careca que todos os dragões ganharam um ódio empatou em duas ocasiões, mas como se diz que à terceira é de vez, foi! Foi, e nem José Mourinho aguentou a pressão, o calor e a emoção de um ser dragão e chorou, escondendo as lágrimas com as mãos. Eu, bem, não me lembro de ter chorado como uma criança, mas gritei e fiquei sem voz. Vim para a varanda já o sol se havia pousado no horizonte. Estava eufórico, feliz, muito! Não sei a que horas regressei da casa dos meus avós, mas o repto estava lançado: numa próxima estaríamos de volta. Não estive na Final da Champions mas assisti a uma final do Campeonato do Mundo frente ao Once Caldas com o meu avô, de pijama e roupão azul, na sala de estar em São João da Madeira. As palavras, tal como os sentimentos devem ser partilhadas, e se forem acompanhadas de lágrimas que sejam verdadeiras.
Hoje olho para as memórias, desfolho imagens nos álbuns de família e agradeço por várias sortes: uma por ter tido oportunidades para sorrir e outras, por ser Dragão.
Foste,
Sem dúvida
A música errada
No tempo certo
P.S. Nunca perguntes a alguém do jazz